sexta-feira, 22 de maio de 2015

CRÔNICA DA SEMANA: UMA PESCARIA E OUTRAS VIAGENS DEBAIXO DO JAMBEIRO

Doutor Ary Vital e senhor Jacinto José de Lima, “O cravo das moças já foi alecrim das meninas”.
O "cravo das moças" com suas malhadeiras
Era quase meio-dia, sol à pino, quando fui até portão da delegacia e vi aquele senhor, já com as marcas do tempo e da sabedoria estampadas no rosto, encostar seu carrinho próximo à calçada e depois se sentar na batente que cerca o jambeiro.
- Os pés doem.
Ele falou ao tempo e eu ouvi, sem querer ouvi. Ele nem percebeu que estava encostado ali próximo. Fui até ele.
- Tudo bem senhor, como vai?
- Tudo bem. Hoje o dia está com o clima quente. Estou descansando um pouquinho aqui na sombra do jambeiro.
Ele se abanava, mas não perdia o sorriso.
- Fique à vontade.
E percebi que naquele carrinho de mão havia uma maleta e outros objetos. Não me contive, como uma criança enxerida perguntei-lhe:
- O senhor está de mudança? Vai viajar?
Ele me respondeu:
- Não, não. Ainda não, ainda tenho cem peças de malhadeiras para vender.
- Então o senhor é vendedor ambulante e vende o que?
E assim começou um diálogo ali debaixo do jambeiro, sob o céu de Rurópolis, onde duas pessoas de tempos diferentes tiveram suas histórias cruzadas.
- Vendo malhadeiras e tarrafas.
- E o senhor vende bastante?
- Sim, quem não gosta de uma pescaria?
E, quando ele me perguntou isso, entrei naquele meu momento que todos já conhecem chamado de “um instante que não para” e pensei comigo: “Nem sei o que dizer para este senhor, mas eu e pescaria não combinamos, de forma alguma, pois, logo eu que sou imperativo, inquieto e ansioso, não consigo ficar calado, em silêncio esperando o bel prazer de um peixe. As duas vezes que me convidaram para uma pescaria estraguei as duas, acho que no dia em eu morrer, no meu túmulo vou conseguir ficar em silêncio. Que perdoem minha ignorância os amantes da pesca, mas, cada um na sua arte”. Então lhe sorri e disse:
- Pescaria, pescaria, pescariiiiiiiiiiiaaa....não. Mas, gosto de um açude, de um pesque e pague, de um lugar desses que o peixe não demore muito para dar o ar de sua graça.
Ele sorriu.
- Pois bem, aqui nós temos pacuzeira, piabeira e piauzeira.
Neste momento, quando ele disparou este bando de nomes, um atrás do outro, até não catalogados no meu dicionário, eu quase tenho uma síncope.
Antes de continuarmos, para tudo: Síncope ou desmaio, é a perda súbita e transitória da consciência e consequentemente da postura, devido à isquemia cerebral transitória generalizada (redução na irrigação de sangue para o cérebro). Existe sempre recuperação espontânea da consciência na síncope. 
- Meu senhor, por favor, por obséquio, o que é uma pacuzeira?
Ele me respondeu:
- Doutor, é um tipo de malhadeira que serve para pescar pacú, já a piabeira para pescar piaba, a Piauzeira para pescar piaú e ainda há a flecheira para pegar o peixe, lembrando de que o saqueiro tem que ir atrás acompanhando o arqueiro.
Para tudo! Olha a síncope. Sou marinheiro de primeira viagem, tudo tem que ser explicadinho nos mínimos detalhes, tive que pesquisar: Pacu é o nome geral dado a várias espécies de peixes caracídeos da subfamília Serrasalminae, que também inclui as piranhas. São típicos do pantanal sul-matogrossense, dos rios amazônicos e bacia do Prata, e originários dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. Alimenta-se de frutos, caranguejos e de detritos orgânicos encontrados na água. Atinge 25 kg de peso, comum até 8 kg. São praticadas duas formas diferentes de pesca - na vara de bambu, fisgada com frutos (tucum, laranjinha ou jenipapo) ou pesca apoitada com isca de caranguejo. Piaba ou Piava procedem do termo tupi pi'awa, que significa "pele manchada". É um peixe de cor brilhante, prateada. A boca é pequena, porém possui dentes fortes e capazes de arrebentar anzóis fracos. Costuma nadar muito em busca de comida. Suas preferências são por vegetais, larvas de insetos, além de pequenos peixes. Piau: Nome dado às piabas maiores. Flecheira: é uma palavra derivada de flecheiro, ou seja, aquele caçador armado de arco e flecha; arqueiro (variação – frecheiro). Quanto à utilização do saqueiro fica a critério de cada um, não vou entrar no mérito da causa.
Voltando ao diálogo:
- Entendeu?
Ele me perguntou.
Eu com uma postura e ar “estrogonófico” expressando sabedoria pura lhe respondi, balançando a cabeça:
- Tecnicamente, tecnicamente.
E lembrei-me das maravilhosas viagens pelos campos do Marajó de outrora, onde, certa vez, conversando com uma linda cabocla de nome Tuany, ela in loco me explicou juntamente com outros ribeirinhos como pegar um siri.
- Ei, garoto da cidade, venha cá. Vem pegar Siri com a gente.
Como uma criança curiosa, eu fui. Perguntei:
- E como se pega um Siri?
Ela explicou:
- Se pega o siri com um pedaço de carne amarrado na ponta de uma linha, o crustáceo é içado para a superfície e apanhado com o uso do landuá.
- Landuááááá?
Perguntei.
- Sim.  Esta aí do teu lado, essa pequena rede presa a uma armação de madeira triangular. O landuá, geralmente, é utilizado para recolher siris apanhados em pescarias feitas em margens de rios ou praias afastadas. Entendeu?
Eu com os óculos na ponta do nariz, com uma postura e ar “estrogonófico” expressando sabedoria profunda lhe respondi, balançando a cabeça:
- Tecnicamente, tecnicamente.
E, não é que deu certo.
Voltando o diálogo debaixo do jambeiro
- Meu amigo, já vou me embora. Está quase na hora do almoço.
- Verdade. Foi muito interessante nossa conversa aprendi muito, nada como a sabedoria popular. Qual é seu nome?
- Jacinto José de Lima, “O cravo das moças já foi alecrim das meninas”.
Foi assim que ele se apresentou. Achei fantástico!
- Quer saber mais? Então, tenho 76 anos, sou goiano da cidade de Padre João da Boa-Vista, cheguei no Pará em 1977, estou aqui em Rurópolis há 40 anos, mas brevemente estarei indo para o Amazonas.
- Então está certo senhor Jacinto.
Falei e ele repetiu:
- Jacinto José de Lima, “O cravo das moças já foi alecrim das meninas”.
Confesso que me diverti e aprendi muito escrevendo esta crônica. E com o calor que estava fazendo, automaticamente, lembrei-me de um amigo de longas jornadas, residente em Belém, minha terra natal, que do nada, publicamente, no facebook, me chama para tomar uma cerveja Cu de Foca.  Eu quase tive uma síncope. Para mim ele estava me sacaneando, quase leva uma bruta esculhambação, pois nunca tinha ouvido tal expressão. Sabia da existência da cerveja escura batizada de Caracu, mas esta outra até ontem desconhecia. Logo eu que não bebo cerveja e muito menos Cu de foca.  Contudo, me acalmei, pois para quem como eu que já confundiu os termos caititu e catiroba, resolvi pesquisar e não é que essa expressão existe até cômica e um tanto quanto deselegante, porém, é muito comum nas rodas de bar para expressar sinônimo de geladíssima ou estupidamente gelada. Mas, antes para descobrir isso, eu penei, tive que recorrer às cartas, aos universitários, aos colegas, aos informantes e até fiz uma ligação anônima, disfarçando a voz, para um bar perguntando “tem uma cerveja cu de foca aí?”.
E podem crer, assim me responderam:
- Tem, pode vir, já estão estupidamente geladas.
É isso. Antes de finalizar quero agradecer a todos os leitores das crônicas semanais. Tenho encontrado muitas pessoas que me dizem que as crônicas tem as levado do riso à emoção, auxiliado de alguma forma nas suas vidas (não sei como ainda, mas vamos descobrir juntos, por enquanto minha vaidade leonina agradece), sem contar, com as inúmeras mensagens recebidas por Whatsapp, pelo facebook e e-mail. Fico feliz por isso, pois, junto com vocês também vou do riso à emoção e aos poucos, a gente vai melhorando, moldando, descobrindo e se redescobrindo. Eu passo conhecer um pouco de vocês e vocês de mim. É nosso elo.  Fico feliz, porque tudo começou como uma brincadeira, como um gentil convite de Helder Marinho para o blog sem polêmica e jamais pensei que tomaria tal proporção quanto ao entretenimento.    
Agora sim, finalizando:

Entre o real e o imaginário, entre a verdade e a fantasia aqui contada, o que nem eu já sei mais, encerro a crônica da semana. Um beijo a todos fique com Deus e até semana que vem. Ariosnaldo da Silva Vital Filho.




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