O autor, com a "Dona Nega" |
- Ei, o que vocês estão
fazendo aí na minha porteira? Posso saber?
E de propósito, eu me escoro
mais ainda e respondo:
- Nada demais senhora, eu
estava caminhando e parei para admirar a paisagem e ver como eu chego até o
alto daquela pedra, mas, desde já lhe digo sua porteira ficou muito bonita de
preto. Gostei da cor, forte, viva, imponente.
E aquela mulher com a mão na
cintura muito desconfiada, em tons elevados disse:
- Será só isso mesmo? Eu não
estou gostando dessa história.
Eu:
- É somente isso mesmo, mas
se aproxime, não há motivos para nos falarmos quase gritando.
"Dona Nega" e sua horta |
E lá de cima ela desceu e veio já falando:
- Eu não estou gostando
dessa história não. Esse negócio de estar próximo a minha porteira não tá
certo, vou ter que chamar a polícia.
E eu:
- Prazer, em conhecê-la, sou
delegado.
E ela ainda desconfiada
disse:
- Doutor Ary? Será?
Eu:
- Sou eu!
E ela:
- Não o conhecia. Doutor,
veja só, sujou seu braço de tinta preta.
E eu:
- Deve ter sido na porteira,
mas depois sai, a Senhora não é dona Nega?
Ela ainda meio desconfiada:
- Sou eu, por quê?
Eu:
- Vicentinho me falou, eu
estava ali na casa dele. Eita, mulher brava e desconfiada. Deixa eu lhe dizer,
há dias que eu tiro para estar comigo mesmo, estar na minha companhia, tirar os
sapatos, sentir a terra, o cheiro de mato, respirar fundo, andar pelos
travessões, pensar e me esvaziar dos problemas absorvidos durante da semana.
Hoje, andando por essas bandas, resolvi varar por aqui e vi aquela pedra e quis
subir.
Ela:
- Entra então, deixa eu
abrir a porteira de vez e vumbora tomar um café.
E eu fui, e vi que aquela
“marra” toda era somente disfarce. Dona Nega é uma pessoa doce, uma agricultora
batalhadora. Ao caminhar por seu sítio, aquela agricultora me contou um pouco
sobre sua vida e sua lida na agricultura, ela me mostrou suas hortaliças,
sementes e parte de sua história. Quando vi já estávamos na cozinha, onde me
serviu uma fruta do conde, popularmente conhecida como ata. Conversa vai e
conversa vem, de repente, de lá de dentro me apontou a dita pedra que eu tanto
almejava a subir e me fez um desafio.
Ela:
- Ei delegado, te faço um
desafio, tens mesmo coragem de escalar a pedra?
Te desafio a subir na pedra e sentar lá do meu lado.
Eu, olhando aquela altura,
já meio desconfiado disse:
- Estamos aqui para isso.
E não pensei duas vezes,
mesmo o céu meio fechado e a chuva se anunciando, tirei o calçado e segui os
passos daquela senhora, entrei no mato e escalei. Claro que não foi na mesma
velocidade de Dona Nega, mas consegui chegar ao topo. E do alto pude ver tanta
coisa bonita, esvaziar a mente e corpo de uma semana agitada, e o que é melhor
venci o desafio.
No caminho, em certo momento, fiquei muito preocupado, pois
não tenho mais 20 anos para topar esses desafios de supetão, mas disso tudo
tirei outra lição: o coração não envelhece, aliás, envelhecer é preciso, mas
sem perder a juventude.
Dado momento, ela me deixou
sozinho e ficou me observando lá de baixo, as minhas únicas companhias eram o
vento, meus pensamentos, minhas reflexões, meus agradecimentos a Deus pelos
caminhos que a minha vida tomou e, por tantas vezes, que me senti perdido, sem
destino, mas que na verdade, sem que eu notasse, DEUS tomava conta escrevendo a
sua melhor crônica.
Quantas porteiras a gente
não encontra na vida? Quantas são abertas? Quantas são fechadas? Quantas brigas
se iniciam por causa de uma porteira e quantas ali terminam? Quantas pedras a
gente já encontrou no meio do caminho? E dessas, quantas nos escalamos e vimos
do topo que fomos mais fortes do que o obstáculo posto?
E nesta trajetória
quantas pessoas de estenderam a mão e de impulsionaram para seguires adiante? É...
Certamente, foram tantas, mas estamos aqui, não disse que DEUS toma conta e
sempre nos guarda a melhor história.
Perdido nas horas, até ser
acordado não pela chuva que resolveu dar uma trégua, mas pelo grandioso fim de
tarde. Tive que descer rapidamente dali. E com um sorriso no rosto a Senhora Angélica Maria de Paula Silva, popular “Dona Nega” se despediu de mim com um
volte sempre dentro de um abraço apertado, dado ali mesmo, na porteira, onde
tudo começou.
Entre o real e o imaginário,
entre a verdade e a fantasia aqui contada, numa porteira ou no alto de uma
pedra gigante, o que eu já nem sei mais, encerro a crônica do dia. Um beijo à
todos, fiquem com Deus. Ary Vital Filho.
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