Senhor Bugio, senhora Marly e o autor |
- Boa tarde Seu Zé Bugio, há
muito tempo que não vinha aqui. Da última vez me lembro foi quando encontrei a
professora Antônia e escrevi “Um presente de Deus”. Que por sinal estou em
débito com ela, nunca mais me ligou, desde o dia de Natal quando me chamou para
almoçar e eu acabei não indo. Estava trabalhando nesse dia.
Com toda sua generosidade Zé
Bugio e Dona Marly me convidou a entrar e ficar a vontade em sua chácara.
- Doutor, vai chover! Se
acomode mais para cá! Quer uma rede?
Olha já! Perguntando logo
para um paraense quase um tupi-guarany e sem pensar duas vezes respondi:
- Claro que quero!
Esse negócio de cerimônia
comigo não existe.
Zé Bugio continuou a prosa,
olhando para o tempo:
- Doutor, vai chover!
E eu:
- Vai nada!
E ele ainda olhando para o
tempo:
- Vai e muito! Capaz do
mundo desabar.
E quando vi, minutos depois,
deu uma tempestade com raios e trovões, que realmente pensei que o mundo fosse
desabar.
E choveu, ventou, esfriou,
tremeu, e árvores caíram de um lado e de outro fazendo um barulho
aterrorizante. Raios cruzando o céu. Água para todos os lados. Faltou até
energia.
E me deu um medinho e depois
um medão, mas não falei nada, somente não queria que uma árvore caísse em cima
de mim. Tu é doido é! Não brinco com as forças da natureza. Tô fora. Respeito a
mãe natureza, a força da terra.
- Tá com frio?
Com aquela voz grave e
baixa, Zé Bugio me perguntou.
- Tô.
Respondi.
- Bora tomar uma cachaça
temperada?
Eu:
- Cachaça temperada?
Ele:
- Sim, para esquentar o
corpo e espantar o frio. Olha, aqui nesse litro tem uma mistura de Jucá,
cumaru, cajá. É a pinga temperada.
E foi a primeira fez que
tomei um gole dessa tal pinga temperada. E entrei naquele meu momento chamado
de “um instante que não para” e me lembrei de um caso do ano de 2008. Lendo de
um depoimento que o declarante teria dito que antes do crime a vítima se
encontrava no seu bar ingerindo bebida alcoólica, e ali haviam várias pessoas,
mas a vítima estava tranqüila, de boa, numa mesa separada, ingerindo cachaça
com Jucá e depois saiu dali normalmente quando aconteceu o sinistro. Depois que
li isso, fiquei folheando as outras páginas procurando um depoimento e nada de
encontrar. Até que perguntei para o investigador:
“Esse Jucá não foi intimado,
precisamos encontrá-lo. Aqui fala que antes do crime, a vítima estava numa mesa
de bar ingerindo cachaça com Jucá. Quem é esse afinal?” E o investigador com um
leve sorriso no rosto riu e me explicou tudo. É... Paguei um mico e com várias
pessoas testemunhando a minha ignorância. Também ri de mim e até hoje quando
lembro caiu no riso. Passei minutos olhando aquela semente na garrafa e comigo
pensava: “Então és tu o Jucá, te achei”.
Zé Bugio me perguntou:
- O que foi Doutor? O senhor
ficou parado aí, perdido no tempo. Tá tudo bem?
Respondi:
- Está tudo claro agora.
Então é esse o tal de Jucá.
Ele:
- Sim, por quê? Tá preso?
Eu:
- Deveria.
E contei a história que o
fez rir até ficar vermelho. Aos poucos a vida perdoar e a me perdoar de minhas
falhas, e até rir de mim. Principalmente, agora que descobri que Jucá, Cumurá e
Cajá, todos fazem parte de uma gangue, a da “pinga temperada”.
- Ei Doutor bora pescar?
- Vou nada.
- Bora?
Insistia Zé Bugio.
Mas ainda estava chovendo, e
as árvores caindo, estávamos isolados, sem telefone,
E ele com a maior
tranqüilidade me dizia:
- Relaxa. O tempo vai
melhorar e bora pescar e comer peixe.
E o tempo melhorou e eu fui.
- Olha Doutor isso é uma
tilápia.
E eu:
- Bom saber, para não correr
mais o risco de pagar outro mico.
E Dona Marly preparou o
peixe, enquanto isso Zé Bugio trouxe para mesa mais uma iguaria:
- Coma Doutor, faz bem. É
fortificante.
Eu:
- O que é isso?
Ele:
- Ovos de pata.
Eu:
- Nunca comi.
Ele:
- Coma, faz bem, pura
proteína. É fortificante. É por isso que temos força para enfrentar a lida
diária, subir ladeira, descer ladeira, ir para roça.
E eu comi. Não é que é bom!
E o ovo de pata me deu um calor e um pique que poderia nadar naquele açude por
horas. Eu estava num verdadeiro Happy Hour com Zé Bugio. E enquanto o peixe não
vinha, Zé Bugio me contou vários “causos”, dentre eles que teria ensinado meu
Tio Ariosvaldo Vital, conhecido por muitos como Dr. Vital, a dirigir o seu
trator.
Falou de sua história de vida quando chegou a Rurópolis. Contou sobre
suas pescarias e os diversos tipos de peixe, uns com mais espinhas outro com
menos, uns com escama outros sem escama.
Até que a tilápia foi posta
na mesa e aí que a conversa se alongou. A chuva foi passando e a noite
chegando. Hora de se despedir.
- Volte quando quiser. Se
quiser pescar fique a vontade até para entrar no açude, mas não vá se assustar
com o pirarucu que tenho. Certa vez convidei um colega seu para pescar e ele
entrou no açude com a rede, o pirarucu encostou na perna dele e o homem saiu
correndo pensando que era uma sucuri.
Procurei saber quem foi esse
bravo pescador, mas o nome permaneceu em sigilo.
A chuva passou e fui embora,
na mochila levei muitas histórias e numa sacola, ovos de pata.
Eu tinha dito a mim que não
escreveria mais crônicas, nem contos, mas um dia um amigo escritor me alertou
dizendo que elas carregam consigo a arte do elogio, da admiração, da homenagem,
da celebração ao cotidiano e a eternização de um simples momento, como os
escribas faziam no início do século. Admiro tantas essas pessoas por sua
trajetória de vida na transamazônica. Penso que admiração silenciosa não
adianta para nada, o que adianta admirar e calar? O que adianta admirar algo
que alguém fez e nunca contar?
O mundo está cheio de tragédias, estas dão mais
notícias do que a celebração da vida e com isso esquecemos que elogiar uma
atitude positiva, agradecer uma gentileza ou um feito, devolver um sorriso,
retribuir um abraço, e o tempo vai passando e tudo aquilo que era para ser
feito em vida pelo próximo, fazemos no velório. É neste dia que mais se recebem
elogios, flores, visitas, congratulações, etc. Então, diante disso, prometi a
mim mesmo, seguir em frente e que venham novas histórias cada uma de seu jeito
e sua carga emotiva.
Assim, a José dos Santos
Silva e Marly Silva deixo registrado meu muito obrigado pelo carinho e a forma
que fui recebido numa tarde de chuvas e trovoadas, e pelas histórias
emprestadas.
E professora Antônia, mil
perdões por ter faltado o almoço de Natal, perdi o chester!
Entre o real e o imaginário,
chuvas e trovoadas, entre a verdade e a fantasia aqui contada, o que eu já nem
sei mais, encerro a crônica do dia. Um beijo à todos, fiquem com Deus. Ary Vital Filho.
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