sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

RURÓPOLIS DA FUNDAÇÃO À EMANCIPAÇÃO


Casas construída pelo INCRA e entregue aos agricultores

“O povo brasileiro responde ao desafio da história ocupando o coração da Amazônia”. Com estas palavras, o então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici inaugurou em 12 de fevereiro de 1974 a Rurópolis batizada com seu próprio nome, localizada no Pará. A Rurópolis Presidente Médici foi fundada no entroncamento da BR 163, Cuiabá – Santarém e BR 230, Transamazônica, as duas grandes rodovias previstas no Programa de Integração Nacional (PIN), uma das principais políticas do governo militar. O modelo de desenvolvimento pretendido pela ditadura para a região da Transamazônica previa a criação de Agrovilas, Agrópolis e Rurópolis. Essas últimas, seriam o ponto alto do modelo de urbanismo pretendido, com serviços bancários, escolas e hospitais. Apenas a Rurópolis Presidente Médici, no entanto, foi inaugurada em um evento que contou com a presença de várias autoridades e teve ampla cobertura da imprensa.

Hotel Presidente Médici

A Transamazônica representava muito mais do que um projeto de estrada. Sua construção buscava materializar um grande programa de colonização na Amazônia e transformação de um território. A rodovia era apresentada nas propagandas oficiais como símbolo do “progresso e da segurança nacional” e como um grande projeto nacionalista que resolveria os problemas sociais da região.

Neste projeto, a colonização daquela vasta região seria feita por trabalhadores/as migrantes nordestinos e sulistas, incentivados a trabalhar na expansão da fronteira agrícola. Estava implícita a concepção de que a presença do elemento branco e “evoluído” nortearia o progresso da região. Ainda hoje é comum ouvir histórias de favorecimento de sulistas em detrimento dos nordestinos no que diz respeito ao acesso de bons lotes e crédito para produção. Além disso, há um apagamento da presença indígena nos relatos oficiais, apesar da larga utilização do trabalho dos povos originários locais nas construções naquela região. 

Familia residente na "Vila da Palha"

Os primeiros colonos, que foram trazidos oficialmente pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), obtiveram os lotes de terra mais próximos da rodovia. Já as famílias candidatas à colonos que chegaram atraídas pela propaganda, mas fora do programa oficial, acabavam se instalando nos lotes mais distantes ou se aglomeravam nas imediações de Rurópolis, à espera do tão sonhado pedaço de terra. O PIN também previa que parte dos trabalhadores migrantes mobilizados para a construção das rodovias pudessem fixar-se na região, transformando-os em colonos.

A cidade planejada Rurópolis Presidente Médici era destinada apenas aos prédios de instituições públicas e dos prestadores de serviços, além das moradias dos funcionários dessas instituições. Era proibida a construção de novas casas sem autorização das autoridades governamentais. As numerosas famílias do Nordeste e do Sul que chegavam eram obrigadas a improvisar habitações nas margens da rodovia e da cidade planejada.

Inicio da cidade planejada

O principal local dessas moradias precárias ficou conhecido como Vila da Palha. As moradias da vila eram construídas com madeira das sobras da cidade planejada, sacos de cimento utilizado na obra e palha da floresta.

As mulheres e as crianças costumavam ficar na Vila da Palha, onde, além de se sentirem mais seguras, eventualmente era possível ganhar algum dinheiro prestando serviços para os moradores da cidade planejada. Os homens adentravam a mata para abrir as picadas que permitissem chegar aos lotes. Muitas vezes este trabalho ocorria de maneira coletiva, com as diferentes famílias ajudando-se mutuamente para abrir picadas, construir pontes, derrubar a mata e construir casas nos lotes.

Área Comercial
Primeira Igreja Católica

Às vésperas da inauguração oficial da Rurópolis Presidente Médici as autoridades locais decidiram que aquela ocupação não planejada poderia manchar a imagem do projeto e decidiram que todas as famílias deveriam ser retiradas. Dias antes da solenidade de inauguração um funcionário do INCRA conhecido como Carlão comandou a desocupação violenta da área. Segundo seu Eucídio, antigo morador da região, “tocaram fogo nas casas e o pessoal tudo correndo de dentro de casa. Esse Carlão mandou tocar fogo e trator empurrando com gente, aquela coisa assim… deu dó.” As pessoas e objetos foram colocados em caminhões. Algumas foram levadas para os lotes distantes, outras foram deixados na margem da Transamazônica a alguns quilômetros de distância da cidade planejada em uma área conhecida hoje como Petezinho. Na antiga área de Vila Palha foi semeado arroz e na ocasião do evento de inauguração já havia um exuberante gramado verde que nada lembrava a existência de uma “favela” nos limites da cidade planejada.

Fundação SESP

Embora nada tenha sido oficialmente registrado, ainda é forte na região a memória sobre o “Massacre da Vila da Palha”. O projeto que prometia a redenção e a integração nacional deixou de ser prioridade do Estado brasileiro nos anos subsequentes à inauguração e os discursos oficiais se esforçaram em produzir um apagamento dos conflitos, desencontros e resistências durante sua implementação. Em 1988, a Rurópolis Presidente Médici se emancipou politicamente e tornou-se município preservando apenas o nome de RURÓPOLIS. A antiga área ocupada pela Vila da Palha é hoje conhecida como os bairros periféricos da Serraria e do Leitoso, residência dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade.

Vale ressaltar, que no período de 1972 (ano que começou a chegar os funcionários para a construção iniciais das casas e ruas, ou seja, o começo da infraestrutura) à 1988, o INCRA era o responsável por tudo. Telefone, luz, água, etc., tudo era de responsabilidade do INCRA e não tinha ônus pelo usufruto.

Agencia do Banco da Amazônia

O INCRA construiu uma serraria de última geração, de onde tirava as madeiras para a construção das casas dos funcionários, escritório, etc. Nas dependências da serraria, tinha três Caldeiras à lenha (Locomóveis), que abastecia de energia, tanto a serraria, como toda a Rurópolis. O INCRA construiu ainda um sistema de abastecimento de água, para fornecer água gratuitamente às casas dos funcionários e mais tarde, para toda a população (ainda é usada até os dias de hoje).  O INCRA agia como hoje age a Prefeitura. O Executor (chefe das Unidades Avançadas), tinham o poder que um prefeito tem hoje. Nesse período, foi difícil o crescimento, haja vista, que o INCRA proibia a construção de residências particulares. Posteriormente foi liberado, mas as construções tinham que obedecer ao padrão exigido, e as pessoas achavam demasiado caro.

MUITOS DIZEM QUE A CONSTRUÇÃO DAS RODOVIAS E A COLONIZAÇÃO, FOI UMA UTOPIA. NA MINHA HUMILDE OPINIÃO, O INCRA E AS RODOVIAS TROUXERAM MUITA PROSPERIDADE PARA TODOS AQUELES QUE REALMENTE QUISERAM TRABALHAR. TEMOS EXEMPLOS DOS DOIS LADOS DA MOEDA...

Em tempo: Amanhã, sábado, postaremos outra matéria referente aos 50 anos, contando um pouco do que aconteceu após a emancipação...


Fotografias cedidas pela Professora Fatima da Silva Sampaio.
Texto de Magno Michell Marçal Braga com complementação de H. Marinho

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