O autor com o senhor José e os carneiros |
Taí, uma coisa que eu não
tenho vergonha é de fazer perguntas sobre o que não sei. Nessas minhas andanças
pela zona rural de Rurópolis tenho encontrado cada figura e cada história. Aos
poucos estou aprendendo que dificilmente conseguiremos ao longo da vida agradar
a todos, sempre sofreremos críticas, mesmo não merecendo. Já me deparei com
muitos rostos fechados e braços cruzados. Alguns, consegui desarmar, outros
não, deixei-os assim e pronto. Hoje não quero mais ter razão, só quero ser
feliz, somente isso.
Como disse, não tenho
vergonha de fazer perguntas, mesmo algumas vezes parecendo ridículo eu adoro
perguntar os “por quês” das coisas.
E foi assim que se iniciou a
crônica da semana:
- Que troço é esse?
Perguntei, olhando aquilo de
cima para baixo, de baixo para cima.
E calmamente, mas com um
rosto fechado e até desconfiado Sr. José me disse:
- Delegado, o senhor não
sabe mesmo o que é isso?
Eu:
- Não!
Ele ainda desconfiado:
- Não?
Eu:
- Não, mas me diga logo o
que é esse negócio?
E Sr. José foi me explicar:
- São balanças e troncos
para gado. Eu mesmo faço e vendo atendo muitas fazendas aqui na região. Vivo
disso doutor.
E enquanto ele me explicava
o funcionamento daquele maquinário, eu pensava como Deus é maravilhoso, pois
criou cada um de nós para exercer sua arte do seu jeito e com o seu Know How.
Perfeito!
A conversa continuou:
- Pronto Doutor, então agora
o senhor já sabe o que é uma balança e tronco para gado.
E a porteira se abriu e
fomos conservando território adentro e pude conhecer a história daquele
paraibano que já estava em Rurópolis há mais de 15 anos.
De repente um barulho, um
bé, outro bé, um sino, e mais um outro bé, de repente, tantos bés, tantos
carneiros, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16....
- Pare de contar carneirinhos
doutor, são muitos, vai se perder na conta.
Ele falou rindo de mim.
- Gosta de animais?
E eu respondi:
- Gosto muito,
principalmente de carneiros. Mas me diga, porque somente um deles tem esse sino
pendurado no pescoço, qual a finalidade?
E ele novamente me
perguntou:
- Não me diga que o senhor
não sabe?
E eu afirmei:
- Não sei.
E ele, já desconfiado:
- Não? Mesmo?
E eu:
- Sr., José diga logo, o
senhor me responde uma pergunta com outra pergunta. Tá puxado.
Ele rindo, arrumando seus
óculos e arrumando na cabeça o seu bobé vermelho enfim me respondeu:
- Bem, se coloca no pescoço
de animais, geralmente do gado ou bestas de carga para que pelo retinir do
badalo se possa localizá-los. E dependendo do som, podemos notar se os animais
estão em perigo ou não sendo atacados por um cachorro ou outro animal.
Entendeu?
E eu respondi:
- Tecnicamente.
Continuei a pergunta:
- E me diga, mas porque
somente um deles possui o sino pendurado no pescoço? É o líder?
Ele:
- Não doutor, não tem líder.
Basta colocar num, ou dois, não precisa em todos, eles vivem em rebanho, então,
para onde um vai os outros tendem a seguir. E já pensou se todos tivessem sino?
Que barulheira seria?
E eu sem muito o que dizer,
apenas falei:
- É verdade.
E fiquei pensando, é o
cúmulo mesmo um líder andar com um sino pendurado no pescoço. Nada a ver.
E quando percebi estava
cercado de tantos “bés”.
De repente Sr., José disse:
- Cuidado com o Jacaré
doutor.
Eu:
-Onde?
Ele:
- Na coleira. Não confie,
ele lhe tira o pedaço da batata.
Eu:
- Disso nunca tive dúvida,
mas peraí, como assim na coleira? E cadê o jacaré que não estou vendo.
Ele rindo da minha cara:
- É o cachorro, a gente
chama ele de Jacaré, sabe por quê?
Eu:
- Nem precisa dizer mais
nada, daqui dá para ver o tamanho da boca e os dentes afiados do bicho. Deixa
ele amarrado ali no canto, de preferência dentro da casinha.
E o passeio continuou
território adentro ladeado de inúmeros carneiros, sinos, bés e uma boa conversa
com o Sr., José.
Igual um menino apontei para
o horizonte:
- Olha Sr., José um rio.
Ele:
- É nosso rio leitoso.
Diante daquele rio, ouvindo
o barulho das águas e o som frio do vento, eu pude me esvaziar de uma semana
movimentada. Ao ver aquelas folhas como uma pequena embarcação descendo o rio,
pensei em tantas coisas, não mais em possíveis acontecimentos futuros, apenas
no presente, pois a vida é tão frágil para estarmos sofrendo por antecipação.
Como disse hoje não quero mais ter razão, quero apenas ser feliz e pronto!
Discutir, bater boca, se envolver com pessoas que nada me acrescentam e que
somente sugam a minha energia vital, prefiro evitá-las e se por acaso o contato
for inevitável, que então seja breve.
Aquele senhor que no início
da história se demonstrou tão fechado comigo, no final foi de uma presença e generosidade
tão grande me proporcionando um passeio extraordinário em seu mundo.
- Amigo está tarde! Olha os
carneiros estão voltando, escute os sinos se aproximando de nós.
Ele somente balançou a
cabeça.
- Então já vou.
E eu pensando que a história
tinha chegado ao final, ele me surpreendeu.
- Ei Doutor, vamos dar
comida a eles?
Eu fui sem medo de ser
feliz.
Horas depois:
- Agora já vou! Obrigado
Sr., José Tomaz pela história, por ter aberto a porteira, pelo passeio, pelo
sorriso e ensinamentos.
Ele:
- Volte sempre Doutor às
balanças e troncos do rio leitoso. Seja bem vindo.
Olha já, até o Jacaré me
espiava de longe balançando o rabo.
Eu:
- Claro que eu volto. Afinal
não é todos os dias que posso me dar o luxo de contar carneirinhos. Também não
é todo dia que um jacaré fica amigo da gente.
Entre o real e o imaginário,
entre carneiros, jacarés e rios leitosos, entre a verdade e a fantasia aqui
contada, o que eu já nem sei mais, encerro a crônica do dia. Um beijo à todos,
fiquem com Deus. Ary Vital Filho.
Curiosidade:
De acordo com o Disciplina
Clericalis, um texto escrito no começo do século XII na Espanha de fontes
islâmicas, um rei ouvia histórias de seu contador de histórias toda a noite.
Uma noite, o rei, cheio de preocupações com os trabalhos do dia, não conseguia
dormir. Ele exigiu mais histórias do contador. Porém, o próprio contador queria
dormir. Sua engenhosa solução foi de contar uma história que necessitasse
contar carneiros.
A história era assim: um
fazendeiro foi ao mercado e comprou dois mil carneiros. Ao retornar para casa,
seu caminho havia sido bloqueado por um rio cheio por causa da enchente. Perto
da beirada havia um pequeno barco que poderia carregar dois carneiros por vez.
Ele colocou dois carneiros e atravessou. Ele precisava fazer aquilo mil vezes
para que todos os carneiros chegassem em casa.
Entretanto, de acordo com o
livro, o contador de histórias caiu no sono antes de dizer que o fazendeiro
havia colocado os primeiros dois carneiros no barco. O rei acordou o contador e
exigiu que ele continuasse. O contador de histórias respondeu que a história
requeria que o fazendeiro transportasse todos os carneiros para o outro lado do
rio (Fonte: Internet).
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