Senhora Francisca (Dona Menina) e Doutor Ary Vital |
Vivemos numa sociedade
consumista que diariamente nos impulsiona à aquisição de bens, estes, às vezes,
não tão essenciais à vida, comprados a fim de se compensar um vazio emocional.
Mas, este vazio interior logo volta e muitas vezes até mais intenso, quando a
graça já se perdeu ao se ter para si a posse do tal objeto ou “coisa” almejado,
pois, este vazio é existencial e sua compreensão foge muitas vezes da nossa
razão. O vazio existencial foi compensado da forma errada. E lá na frente, se
formos bem mais atentos, descobriremos que precisamos sim consumir sapatos,
roupas, joias, bijuterias, peças de vestuários e alimentos, mas isso não basta,
porque na verdade, como seres-humanos somos famintos por sentimentos e
necessitamos de quilos de amor, sacolas de carinho, toneis de paixão, carrinhos
de atenção, cestas de gentileza, caixas de ternuras, beijos e abraços
embrulhados em papeis de seda, capazes
que confortar a alma e, quem sabe, até curá-la caso estava ferida. Nós nos
tornamos reféns de decisões erradas e compensamos de forma equivocadas. Estamos
mais preocupados com o TER do que com o SER, em ser AMIGO, ser IRMÃO, ser
FILHO, ser PAI, ser MÃE, ser HUMANO.
No último domingo fui
presenteado com uma visita inesperada. Eu sequer sabia da existência daquela
doce senhorinha vestida igual uma menina, de sorriso leve e gentil. Eu não,
mas, ela sim sabia de mim?
- Oi. O senhor é o doutor
Ari?
-Sim, e qual o seu nome dona
menina?
-Sou Dona Francisca vim aqui
para ajudar minha filha na limpeza do prédio e lhe conhecer, lhe honrar. Escuto
muita coisa sobre o senhor.
- Que bom. Nem vou perguntar
o que? Mas digo que os comentários sempre serão oras bons, oras maus, afinal, gregos
e troianos nunca vão se entender, não é mesmo?
Ela:
- Os comentários são bons.
Eu:
- Que bom.
Ela, como uma palestrante,
gesticulando e empostando a voz me fez um convite?
- Doutor, gostaria de
convidá-lo para tomar um café na minha casa.
Eu:
- Pois não.
Ela:
- Quando?
Eu:
- Pode ser agora?
Ela se espantou, ficando em
silêncio por alguns instantes, pois nunca pensava que eu iria aceitar o convite
de pronto.
- O senhor vai mesmo?
- Vou, será que eu acerto o
endereço?
- Sim. Vá direto na Avenida
Brasil.
E aí eu fui. Tomei um café
maravilhoso e conheci esta nobre mulher que com humildade me contou sua
história e me mostrou suas mãos marcadas ao longo do tempo pelo trabalho, e me
disse:
- Doutor, há 15 anos eu
cheguei de Pinheiro do Maranhão e fui residir na comunidade Vista Alegre, Km
115, plantando mandioca, colhendo arroz, milho, feijão e farinha. Trabalhava na
roça, vendia e consumia junto com minha família, mas, também trabalhava
colhendo pimenta do reino na terra dos outros, nessa época, me pagavam R$- 5,00
reais a diária. Hoje sou aposentada e sou dona de casa, lavo, passo, faço
comida e cuido da casa. Mas, se caso for preciso, precisarem de mim faço
limpeza em domicílios.
Me contou tudo isso de forma
frenética, enquanto me servia café. Depois que vi aquelas mãos marcadas por
toda uma história de labor, mas ainda tão leve, porque também ali se guarda uma
ternura, pensei comigo: “E eu aqui preocupado, querendo ir ao dermatologista
para tirar estes calos nos dedos causados por tanta digitação. Quer saber vou
deixa-los aí, pois, também contam minha
história de aprendizado e trabalho”. Ao final beijei as mãos daquela
senhorinha.
- Senhora, muito obrigado
pela história da semana. Vou escrevê-la, minha vez de honrá-la.
E com a mão no rosto, ela
ria timidamente.
Lembrei-me da minha finada
avó Santarena. Ela também tinha calos nas mãos, certa vez, perguntei a ela
porque tinha tantos calos e marcas nas mãos, ela me falou que era em razão de
anos de trabalho na agricultura. E eu, ainda adolescente naquela época,
convidei-a para ir ao dermatologista. Ela recusou o convite e disse deixa eles
aí, já estão desde “o tempo do onça”, de noite passou um creme e esta tudo
certo.
- Tempo do “Onça”? Vó, não é
tempo do “Ronca”?
Perguntei.
E ela respondeu:
- Tô velha, mas não burra.
Tempo do “Onça” sim.
E se embalando numa rede,
com toda a paciência do mundo, ela me contou:
- Meu neto, no início do
século 18, havia um chefe de polícia muito rigoroso e por essa inflexibilidade
era apelidado de Onça. O tal xerife fez fama naquela época e com o passar do
tempo, outros chefes de polícia mais tolerantes foram nomeados e renovando os
quadros de serviços e quando se falava em transgressões da lei, por parte da
autoridade, eles diziam: “Isso era no tempo do Onça”, mas com o tempo, o
significado foi mudando para designar coisas antigas.
E quem sou eu para
contrariar minha avó. Falou tá falado. Para adágio popular não se tem
explicação, o povo diz e vai atravessando os séculos, do tempo do “Onça” ou do
“Ronca”, como preferirem.
Na realidade “Temos nosso
próprio tempo”, como já bem cantava Renato Russo. “Somos tão jovens, tão
jovens”, bom lembrar, bom cantar e sei que esses refrões vocês leram cantando.
Música boa não tem tempo e nem espaço, assim como grandes histórias sejam da
roça ou da cidade.
Dona Francisca Lima de
Sousa, muito obrigado pela plantação de afeto a mim dispensada nesse dia era o
que precisava. Fica minha homenagem à senhora, eternizada na crônica da Semana.
E não acredite na sua filha Ivonete Lopes, pois em momento algum falei que o
bolo recheado que ganhei de presente no ano passado, só se cortava com
motosserra. Isto é ciúme, beijo para essa ciumenta também.
Finalizando:
Entre o real e o imaginário,
entre a verdade e a fantasia aqui contada, o que nem eu mais sei, encerro a
crônica da semana. Um beijo à todos, fiquem com Deus e até semana que vem.
Ariosnaldo da Silva Vital Filho.
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