Dr. Ary Vital com Dr. José Arthur Calegaro, sua esposa e cunhada |
Mensagem deixada |
Relutei muito para
escrever este texto. Meu coração ainda está menor. O sol também se escondeu. Na
verdade, eu nem iria escrever nesta semana a crônica, pois, um manto de
tristeza e saudade me tomou por completo nestes dias. Não gosto de despedidas.
Não gosto de dizer Adeus. Sou muito emotivo, sou muito experimental e
existencialista. Não nego, não tenho vergonha e não abro mão de nenhuma parte
de quem eu sou, ora julgado como louco, ora polêmico, ora poético para aqueles
que não conseguem ver além disso, mas,
dentro de certa lucidez, sou tudo isso e mais um pouco, misturado com chocolate
e pimenta, e não renuncio qualquer parte de meu ser.
Lembro
que meus primeiros estudos sobre o existencialismo, foi nas aulas de Sociologia
Jurídica. Me identifiquei de pronto com esta corrente filosófica e literária que
considera cada homem com um ser único, mestre dos seus atos e do seu destino,
logo, o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la
de maneira sincera e apaixonada, embora os obstáculos e conflitos subjetivos,
chamados de distracções, como o desespero, a ansiedade, o absurdo, a alienação,
o ridículo e o tédio, entendidos desta forma pelo pai desta escola, o nobre
filósofo e teólogo Dinamarquês, do século XIX, Soren Kierkegaard.
Sabia
que enfrentaria vários obstáculos e adversidades externas e internas, mas,
ainda assim naquele mês de fevereiro do ano de 2008, resolvi arrumar as malas e
tomar um avião para viver em outra cidade, saindo da minha zona de conforto, contrariando
tudo e todos, principalmente, aqueles que achavam que eu não daria certo no
cargo, pois, para eles não tinha o perfil.
No
mesmo dia em que cheguei à cidade de Santarém, não pensei muito e sim agi, resolvi
tomar uma carona e assumir minhas responsabilidades na cidade de Rurópolis. Cheguei
de baixo de chuva. Era um “admirável mundo novo” que se abria diante de meus
olhos. De coração, até aquela chuva torrencial que eu trouxe ou que veio
comigo, não sei, ainda hoje acredito que somente veio para me abençoar, me dá
sorte.
No
segundo dia na cidade, sábado, 25/02/2008, foi hospitalizado, febre e dor no
corpo. Apaguei na cama de hospital, hoje sei que era mais medo do desconhecido
do que virose. No outro dia, Dr. José Arthur Freire Calegaro foi até ao
quarto e com seus óculos na ponta do nariz me olhava de cima.
-
Bom dia, meu rapaz! Como você está?
Ele
perguntava.
-
Bom dia doutor, estou bem, já quero ir embora.
Eu
respondi.
-
Tudo bem. Vamos verificar a pressão e a temperatura. A febre já passou. Você
está bem meu rapaz. Pronto para ir para casa.
Certamente,
pela inteligência daquele homem, ele notou de pronto que era apenas um
“faniquito” e que ele estava diante de um jovem com medos tão bobos e de
coragens tão absurdas.
-
Rapaz, como soube que eu era o médico, já que quando fiz a visita ontem estavas
dormindo?
Ele
me perguntava rindo, puxando para frente o bico do seu boné xadrez.
-
Ora Doutor, descobri logo pelo jaleco e pelo estetoscópio pendurado no pescoço,
além do que o senhor olhos minhas pupilas e me fez colocar a língua para fora
para examinar minha garganta, isso só os médicos fazem.
Foi
a maior bobagem que falei naquele dia, o que o fez rir até seu rosto ficar
vermelho. Daí nasceu uma amizade. Nossa, um filme passa pela minha mente,
quando me lembro deste e de outros momentos memoráveis ao lado do amigo. Depois
que recebi alta-médica e fui embora, ele disse na enfermaria: “Gostei deste
rapaz, ele não é daqui. Quem é?” E alguém lhe falou: “É o novo delegado”. E ele respondeu: “E vocês não me dizem nada!”
Fato este que ele mesmo me contou posteriormente.
Na
segunda-feira, no final da tarde, ele foi até a delegacia e me convidou para ir
à sua casa para conhecer sua esposa e família, pois estaria fazendo um jantar
de boas vindas e desde aí foram inúmeros sempre de boas-vindas. Meu mal é esse,
sou igual vampiro, somente entro na sua casa se eu for convidado e depois que
eu adentro nem alho ou água benta dão jeito.
Ficamos
amigos de verdade. Eu, Doutor José Arthur Calegaro, Doutora Marilene Jacques de
Lima Calegaro (esposa), Mari Jacques de Lima (irmã) e Maycon Scherer (sobrinho) e quando eu chegava à casa
deles, Doutor José assim me recebia:
-
Entra Ari, me conta o que tem para hoje.
E
uma galeria de dramas, bobagens, desabafos, risos, lágrimas, histórias eram
compartilhadas. Até hoje, Doutor José foi a única pessoa que conheci que
comemorava o aniversário dele duas vezes, chamando todo mundo, com direito a
língua de sogra, brinquedinhos e chapeuzinho de papel, além do banquete servido.
Não tínhamos vergonha de rirmos de nós mesmos.
E
quando eu desaparecia, Dr. Jose e Dra., Marilene me procuravam até me encontrar
e sempre perguntavam:
-
Ari, o que te fizemos guri, que tu sumiste de lá de casa?
E eu
respondia:
-
Nada Doutor. Tô aqui de novo.
O
pouco tempo que tínhamos juntos, nós aproveitávamos para jogar conversar fora, rir
um do outro, espantar o cansaço e o estresse do dia, com um bom filme, uma boa
música, livros ou tomando caldos e aperitivos inventados na hora.
Lá
pelos meados de 2010, certo dia, Dr. José me disse:
-
Ari, estamos indo embora de Rurópolis. Recebi uma proposta de trabalho em outro
município.
-
Quando?
Espantado
perguntei.
-
No início da semana que vem.
- Já?
-
Já.
Hora da partida |
Fiquei
muito triste. Não fui nem vê-los arrumando as malas e nem partir daquela casa,
onde era nosso grande cenário de encontros de amigos, mas, no último momento
apareci na pista de pouso do aeroporto e fui dar meu abraço neles. Na verdade,
era meu último abraço dado em Dr. José Arthur antes dele embarcar naquele
avião.
-
Mas Ari, não chora, guri não é um adeus.
-
Quem está chorando o quê doutor?
-
Tá chorando sim.
-
Tô nada.
-
Tá.
-
Não tô.
-
Tá
-
Tô.
-
Não chora, manteremos contato de alguma forma. Agora sim, o piloto já está
chamando e ainda temos que acomodar nossas cadelinhas.
Ele
me fez rir, ao meio de lágrimas, igual como eu o fiz naquele primeiro encontro
no hospital.
-
Ari, até breve.
E
fiquei ali até o avião levantar voo e sumir no horizonte. Mas, na mesma tarde daquele dia, o telefone da
delegacia toca:
-
Ari, já estamos em Novo Progresso. Quando tu vens nos visitar guri?
Era
ele. Era Dra., Marilene. Ainda mantive por um longo tempo contato com eles por
telefone e por Orkut, mas, depois sumiram, nenhum sinal, contudo, foi uma
celebração quando de repente nos encontramos no Facebook, parecia que o tempo
não tinha passado.
Na
data de 12 de Maio de 2015, Maycon Scherer me envia a seguinte mensagem por
WhatsApp:
-
Oi moço. Tudo bem? Dr. Arthur faleceu hoje à tarde. Infarto.
Fiquei
mudo, sem saber o que dizer. Orei para que os espíritos de luz o recebessem
nesta trajetória, para que Deus o acolhesse e confortasse os corações aflitos
de familiares e amigos. Soube que Doutor José terminou sua missão, numa terça-feira,
ainda chegou trabalhar até às 15hs no Hospital da cidade de Nova Santa
Helena/MT, local onde também residia com a família.
A
última mensagem dele que tenho guardada no celular é: “Bom 2015”. É difícil se despedir de um amigo, de alguém
que realmente foi um amigo por inteiro, logo eu que sou tão existencialista.
Procurei esquecer, mas, não dá para esquecer o inesquecível. Não dá para jogar
no livro do esquecimento.
Não
queria escrever nada, pois ele sempre estará eternizado nas minhas melhores
memórias e de muitos na cidade de Rurópolis. Eu ainda não tive condições emocionais de
falar com Dr. Marilene. Sei que acabaremos chorando juntos. Como disse,
procurei esquecer, mas não dá para esquecer o que é inesquecível, para minha
surpresa, hoje, logo cedo, ele, de alguma forma, me deixou mais uma mensagem,
me pregou uma peça. Sem querer, fui mexer no meu arquivo e encontrei um DVD da
minissérie de Manoel Carlos, intitulado Maysa quando fala o coração. DVD este
que ganhei no meu aniversário, já nem me lembrava de sua existência. Lembrei
que foi escolhido à dedo por Dr. José e Dra., Marilene, pois, eles eram umas
das poucas pessoas que sabiam o quanto gostava das narrativas do autor e da
fotografia de Jayme Monjardim, e ao abrir me emocionei novamente ao ver o
cartão, que estava esquecido ali dentro, escrito à mão: “Ari, Parabéns hoje,
Felicidade Sempre... Dos amigos, Marilene e Arthur”.
Vou
atender esta última recomendação médica. Então será assim, Doutor... Para
Sempre. Obrigado por tudo, Ariosnaldo.
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