sexta-feira, 8 de abril de 2016

CRÔNICA DA SEMANA: ALVOS, TIROS E GLÓRIAS

Autor da Crônica com o homenageado
Poder descobrir histórias de vida é uma das maiores satisfações para um cronista curioso. Isso é incontestável, principalmente, quando elas são envolventes e sem querer nos transportam para algum lugar do passado, para o início de tudo. Ao voltar à cidade de Belém eu pude remexer nas melhores lembranças de Rubinete Chagas de Nazaré. Foi uma honra encontrar as portas de sua casa e de seu coração abertas e desarquivar fotos e fatos guardados como lembranças na parede da memória.
Numa manhã de sábado bastante chuvosa do dia 26 de Março de 2016, fui à casa do mestre Rubinete e como sempre o encontrei sorridente e sereno postado em seu portão me recepcionando com um caloroso abraço fraterno e simplesmente me disse:

O campeão com algumas de suas medalhas
 - Meu jovem, li seu “coração”.
Perguntei:
- Como assim?
Ele de forma mais tranqüila e poética novamente falou:
- Disse que li seu “coração” e ele é tão leve. Gostei muito, principalmente, das mensagens subliminares, do simbolismo, da riqueza de sentimentos dos seus personagens e das informações históricas contidas nas notas de rodapés. Meu Jovem, eu vi que você fez uma pesquisa histórica sobre Belém e seus pontos pitorescos, o que fez somente enobrecer a sua comédia romântica. Perfeito. É um brinde ao regionalismo.
O campeão sendo homenageado

Foi quando entendi que ele teria lido meu “Coração Tatuado”. Rubinete passando a mãos nos seus cabelos grisalhos, olhando para o tempo me perguntou:
- Meu jovem você ainda está em Rurópolis?
Eu respondi laconicamente:
- Sim.
E ele sentou e passou narrar:
- Ary, você sabia que Rurópolis geograficamente é situada num ponto estratégico com seus limites ao Norte os municípios de Aveiro e Santarém, à Leste o município de Placas, ao Sul o município de Altamira e à Oeste o município de Itaituba e Aveiro. Além disso, destaca-se por ser rica culturalmente, em razão da mistura de elementos culturais trazidos pelos povos migrantes.
E Rubinete não parou por aí, ele continuou:
- Ary, Rurópolis é uma cidade com base geográfica privilegiada, pois está no entroncamento das duas rodovias mais importantes da região Transamazônica e Santarém-Cuiabá. É um município considerado como referência por sua agricultura e pecuária. Nesta região, na década de 70, as construções de agrovilas, Agrópolis e Rurópolis faziam parte do Programa de colonização com a finalidade de assentar o homem no campo e com isso ocupação de território para proteção da integridade brasileira contra as invasões estrangeiras. A criação de Rurópolis tinha como objetivo atender as demandas de todas as Agrópolis e agrovilas situadas em certos trechos da transamazônica, dentre elas os serviços bancários, de correios, telefonia (mensageiro), escolas de 2ª grau, segurança e saúde, sendo que até hoje ainda é assim, porém  avançando com os mesmos. VEJA A CRÔNICA COMPLETA CLICANDO ABAIXO.








Realmente o mestre Rubinete leu meu “Coração”, ele acertou bem no alvo, pois tudo que se refere a Rurópolis me encanta, principalmente, saber que antes de eu chegar aqui, meu tio Dr. Vital já teria trabalhado e com sua família bem amado esta terra, assim como eu para todo sempre. Até hoje há pessoas que carinhosamente se lembram dele como um médico dedicado e revolucionário. Para mim é uma satisfação encontrar pessoas que fizeram parte da história de formação do município e que se dispõe a me contarem sobre esta época. Perguntei para Rubinete como ele sabia de tudo isso, ele me respondeu o seguinte:

- Ary, já que você gosta de mexer com a história eu vou te buscar a minha.
E logo ele retornou com um álbum de fotos históricas e uma certidão de tempo de serviço, onde em seu histórico constava uma série de atos à Rubinete Chagas de Nazaré: “Portaria nº 139, de 15/06/1956, foi admitido para prestar serviços nesta Secretaria do Estado do Pará, como agrimensor; Decreto, de 01/02/1958, foi nomeado para exercer o cargo de Agrimensor, padrão N do Quadro único, lotado no Departamento de Colonização da SAGRI; Portaria nº 86, de 17/05/1965. Designado na conformidade da solicitação contida no Ofício nº 165/65, de 13/05/65, do Comando da 8ª Região Militar da Amazônia, o referido funcionário Rubinete Chagas de Nazaré, para ficar a disposição sem ônus para e referida Corporação, e a título de cooperação. Assegurada ao funcionário em referência as vantagens da Lei 749 de 24/12/1953”. E assim ele foi me narrando sua saga entre fotos, documentos, cartas, fichas os fatos. Foi uma grandiosa viagem no tempo.
Entretanto, não contente, perguntei-lhe:
- Mestre Rubinete, o que veio depois?
Ele serenamente me disse:
- Segui a vida praticando esportes e trabalhando em prol da Segurança Pública Nacional. No período de 1991 a 1996 prestei serviços para ONU na área dos serviços de inteligência e informações estratégicas voltadas para a defesa da região amazônica. Contudo, continuei treinando atletas estaduais e municipais para competições nacionais e até internacionais.
Eu:
- É?
E Rubinete levantou-se novamente e me trouxe mais fotos, fatos, fichas, revistas, jornais, históricos e medalhas e me disse:
- Menino, até parece que você não me conhece. E até parece que não te conheço, pois bem, está tudo aqui. Já de antemão te convido para irmos para o Pré Olímpico no Rio de Janeiro, torneio de tiro no período de 13 a 20 de Abril, onde será lançado o livro sobre Tiro Olímpico, escrito pelo Coronel Eduardo Ferreira.
Com os cuidados de um aluno de arquivologia peguei toda aquela documentação e desta vez foi eu quem leu o “Coração” de Rubinete. No alvo, pois ao lhe narrar a sua própria história a emoção o tomava, aliás nos tomava, inclusive por também eu sentir na pele que a falta de patrocínio para custear viagens e participações em eventos ainda é um grande entrave para bons atletas, esportistas e demais profissionais talentosos que precisam, muitas vezes, apenas de uma oportunidade para brilhar no cenário esportivo. É assim também para nós escritores em nosso meio literário, muitos deixam de publicar suas obras por falta de incentivo financeiro. Somente para termos uma idéia, embora todas as conquistas de Rubinete, a falta de patrocínio ainda é uma questão, pois se não fosse o próprio custear suas despesas e o apoio de amigos leais, ele não teria chegado onde chegou. Rubinete iniciou o boxe aos 15 anos com 78 combates amadores e neste esporte foi Vice-campeão brasileiro por 3 vezes, Campeão dos jogos da Primavera em 1955, Campeão de Luvas de Ouro em São Paulo em 1962, Campeão dos Jogos da Primavera em 1963, Campeão Paraense por 4 vezes consecutivas, em 1962, inaugurou a TV Marajoara Canal 2, lutando com Ubiratan Lima, em 1970 lutou na preliminar mundial entre Eder Jofre e José Legra, participou das categorias Galo e Peso Pena, abandonando o boxe em 1970 com 78 lutas e 8 derrotas. Redirecionou seu interesse pessoal por outra modalidade esportiva: o Tiro Esportivo e hoje é o mais laureado atleta de tiro do Pará.

E a saga de Rubinete não terminou e nem a nossa crônica, como disse sou um cronista curioso e mais uma vez lhe perguntei:
- Rubinete, como começou seu interesse pelo Tiro Esportivo?
Ele:
- Começou quando eu acompanhava o General Jurandir Bezarria Mamede na época, comandante da 8ª Região do Exército aos treinos de tiro no Estande de Tiro do Exército aqui em Belém, em 1965. Minha experiência como atirador esportivo surgiu nesse momento. Foi minha primeira oportunidade e descoberta de afinidade com o esporte. E ao longo do tempo fui me aperfeiçoando através de treinamentos constantes, conseguindo títulos importantes em campeonatos nacionais e internacionais. E em 1965, iniciei-me no Tiro Olímpico e tendo participado de 46 competições internacionais, ganhando até agora 97 medalhas de ouro, 48 de prata e 36 de bronze.
É fascinante a trajetória de Rubinete. Eu timidamente diante daquele grandioso atleta, sem mais o que perguntar para essa pessoa que venceu todas as adversidades da vida e conquistou uma legião de fãs por seu carisma e profissionalismo, sem dúvida é inspiração para muitos.

 Atualmente aos 80 anos ele ainda auxilia na formação de outros atletas e vejo que tudo isso não está somente estampado na memória e no seu coração veterano, mas na parede de seu gabinete, onde estão espalhadas por todos os cantos suas honrarias e conquistas. Em 2002, recebeu título de Honra ao Mérito concedido pela Câmara Municipal de Belém, Assembléia Legislativa do Estado do Pará e Confederação de Tiro Esportivo como, depois de Guilherme Paraense, maior expressão do Tiro Olímpico do Pará, além de notório agradecimento da Secretaria Executiva do Esporte e Lazer pela assessoria técnica prestada a elaboração do projeto e execução da obra Stand de Tiro do Complexo Olímpico do Estado do Pará. E ainda é o atleta mais idoso e com o maior tempo em atividade esportiva no Pará. É mole?
- Rubinete, não tenho mais nada a lhe perguntar. Foi uma viagem no tempo, um profundo mergulho nos fatos, fotos e vitórias. Vou escrever sobre o senhor nas minhas crônicas da semana. Posso?
Ele:
- No blog sem polêmica? De Rurópolis?
Eu:
- Como sabe?
Ele rindo:
- Eu sei. Acompanho. Leio, quando não o teu amigo Betã Ferraz me mostra. Ary, nada mais para me perguntar?
E como dizem que sou daquele que vai além dos felizes para sempre contidos nos créditos finais, de repente me deparo com um quadro centralizado na parede e pergunto:
- Sr., Rubinete quem é este homem? 
Ele entusiasmado diz:

- Este é Guilherme Paraense, caboclo marajoara que é a maior referência no Tiro Olímpico do Estado do Pará. O mundo todo comenta até hoje que a primeira medalha olímpica do Brasil ou da América Latina na modalidade revólver foi conquistada por este paraense.
Eu:
- Vou pesquisar sobre ele.
Rubinete:
- Promete? Será meu maior presente.
Eu:
- Será que eu consigo Rubinete? Espero que não o decepcione.

Rubinete:
- Consegues. És bom nisso, em nos envolver nas suas histórias reais e imaginárias. Falando nisso, como vai o tiro? Bem? Vamos treinar? Carabina, que tal? Nas três disciplinas deitado, de joelho e em pé? Lembras?  
Eu lhe respondi:
- Como bem está num dos versos do Hino Nacional Brasileiro: “Verás que um filho teu não foge à luta”, vamos.
E a conversa se estendeu por horas com direito a mais fotos, textos, filmagens e registros.
De acordo com minhas pesquisas, conforme a memória olímpica, considerado como mãos firmes, o tenente Guilherme Paraense foi o primeiro atleta brasileiro  que conquistou  no ano de 1920, nos VII Jogos Olímpicos de Verão, em Antuérpia (Bélgica), uma medalha de ouro olímpica para o Brasil, na modalidade tiro esportivo.
Natural de Belém do Pará, nascido em 25 de junho de 1884, o paraense foi menino para o Estado do Rio de Janeiro, onde, aos 5 anos começou a freqüentar a Escola Militar de Realengo e a prática do tiro era uma das exigências no exercício de suas atividades como militar.

Há relatos afirmando que sua tranqüilidade o fazia atirar com mão firme, invariavelmente acertando o alvo, independente do formato que tivesse, rendendo lhe várias conquistas, dentre elas no final da década de 1910, o título de campeão brasileiro e sul-americano na modalidade tiro com revólver.
Outro fato curioso, com o crescimento do número de adeptos a esta modalidade de esporte, no ano de 1914, no Rio de Janeiro Paraense e um grupo de atiradores fundaram o Revólver Clube, destinado à prática do tiro esportivo e o clube possibilitou a realização de torneios, inclusive aprimorando o desempenho de atletas dedicados à modalidade.
Há registros na história de que em razão dos bons resultados, Guilherme Paraense foi convidado para compor a primeira equipe brasileira de tiro, partindo com parcos recursos à Antuérpia a bordo de um navio mercante cedido pelo governo federal, sendo que a viagem durou 28 dias. Numa escala em Portugal, a equipe de atiradores decidiu seguir de trem até a Bélgica, já que o navio não chegaria a tempo do início da competição. Durante a prova de pistola de tiro rápido individual realizada num campo aberto e com muito vento, o tenente Guilherme marcou 274 pontos dos 300 possíveis, ficando apenas 2 pontos à frente do 2º colocado. A conquista inédita da medalha de ouro entrou para a história do esporte brasileiro.
Em 1989, esse pioneiro foi homenageado pelo Exército brasileiro, que batizou com o nome Polígono de Tiro Tenente Guilherme Paraense o conjunto de estandes de tiro da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sediada em Resende (RJ), onde é realizado anualmente um torneio que também leva o mesmo nome, validado para o calendário brasileiro de competições de tiro esportivo.
Estas informações foram baseadas no livro Heróis Olímpicos Brasileiros, da autora Kátia Rubio, Editora Zouk, ano 2004.
Amigo Rubinete Chagas de Nazaré te eternizo na minha crônica da semana. E nem precisava, pois há tempos que já estais tatuado no coração de muitos. Espero que eu tenha acertado no alvo e você tenha gostado, pois é apenas um simbólico apreço e gratidão por todos os ensinamentos do teu eterno amigo. Desejo-te zil títulos, honrarias e vitórias. Leva junto todo meu carinho, respeito e sinceros meus votos de vitória para o Pré Olímpico.
Finalizando,

Entre o real e o imaginário, alvos, tiros e glórias, entre a verdade e a fantasia aqui contada, o que nem eu já sei mais, encerro a crônica da semana. Uns beijos a todos fiquem com Deus e até semana que vem. Ary Vital Filho.






























































2 comentários:

  1. Nossa, que crónica maravilhosa, como sempre muito bem escrita e inspiradora, e me deixou com mais vontade de ler seu livro.

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  2. Acho que todo rurópolense deveria ler essa crônica.

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